Ensaio fotográfico sobre a Festa de São Benedito em Aparecida do Norte.
Ensaio fotográfico de João Urban* e Suzana Ribeiro sobre a Festa de São Benedito em Aparecida do Norte.
Aparecida do Norte, 1894. A conjugação de condições históricas e sociais do século XIX determinou mudanças significativas no desenvolvimento da cidade. Essas transformações ocorreram sobretudo pela interferência dos padres Redentoristas que procuravam, já naquele momento, dinamizar o espaço do sagrado. Uma série de atividades para ocupar o tempo dos devotos foi instrumentalizada: missas, procissões, retiros, orações, comunhões, confissões etc..
No decorrer do século XX , a hierarquia eclesiástica, ao fomentar a idéia de que a cidade era o centro das manifestações do nacionalismo católico, lugar do sagrado e da educação religiosa, conquistou para Aparecida do Norte o título de Santuário Nacional. O status de centro institucional do catolicismo no Brasil garantiu à cidade uma basílica de proporções gigantescas, tornando-se um espaço de peregrinação com dimensões nacionais e de intensa devoção popular.
Os romeiros de Nossa Senhora Aparecida manifestam sua religiosidade de diversas formas, durante todo o ano e, em especial, nas manifestações oficiais de 12 de outubro, dia da padroeira.
Paralelamente a estes festejos, desde 1909 acontece na cidade a Festa de São Benedito, que teve origem tanto nas práticas da Igreja Católica escravocrata em suas tentativas de absorver as religiões africanas, quanto na resistência dos escravos para manter os cultos a suas entidades, adequando-as aos santos e ritos católicos. Promovida pela Irmandade da Igreja do Rosário e pela população local, a festa se caracteriza como um ciclo religioso-folclórico de festejos do catolicismo popular que preservam alguns elementos dos cultos africanos e também pela adaptação à diversidade cultural da região.
A realização da Festa de São Benedito - a festa do Santo Negro - que acontece também em outros lugares do Brasil, na segunda semana depois da Páscoa, sempre na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, protetora dos escravos, implica, como bem descreve o antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, "um complexo sistema de trocas de ações de serviço que envolve tipos de participantes e modos de participação, tanto nas esferas amplas de relações entre a sociedade promotora e a festa do santo, quanto nas esferas restritas das trocas entre "irmãos" dançantes de Congadas e Moçambiques de cidades do Vale do Paraíba e de Minas Gerais, os encarregado da irmandade do Rosário e outros agentes responsáveis pela festa."
Com duração de sete dias, a festa é organizada em inúmeros rituais: desfile dos ternos de Congo e Moçambique, missas - com destaque para a Missa Conga, cerimônia em torno à coroa e ao festeiro.
O brilho, a sonoridade e a vitalidade das congadas, moçambiques e marujadas têm atraído um número cada vez maior de fotógrafos, video-makers, registradores de som, enfim, de pessoas que procuram registrar estas manifestações, que fazem parte da origem da música e dança populares brasileiras. Ainda é difícil saber se a intensa divulgação que isso acarreta permitirá que a congada mantenha vivas as suas raízes ou se o saldo será sua transformação em espetáculo regulado pelos interesses turísticos.
Dentro dessa multiplicidade de aspectos, este ensaio fotográfico tem a intenção de identificar, através das alegorias e metáforas dos rituais, a persistência das tradições africanas, as manifestações de sincretismo religioso e a influência das atuais relações estabelecidas com outros segmentos da população, através da abordagem de quatro temas distintos: a cerimônia do Mastro de São Benedito, as Bandeiras, Reis e Rainhas do Congo e Ternos de Congo e Moçambique.
* O trabalho de João Urban tem apoio da Fundação Vitae
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