Impressões fotogramáticas e vanguardas: as experiências de Man Ray
Introdução Também chamados impressões ou imagens fotogramáticas, por Philippe Dubois (O ato fotográfico, 1994) e Jean-Marie Schaeffer (A imagem precária, 1996), os fotogramas são, numa definição genérica, imagens realizadas sem a utilização da câmera fotográfica, por contato direto de um objeto ou material com uma superfície fotossensível exposta à uma fonte de luz. Esta técnica, que nasceu junto com a fotografia e serviu de modelo a muitas discussões sobre a ontologia da imagem fotográfica, foi profundamente transformada pelos artistas da vanguarda, nas primeiras décadas do século XX. Representou mesmo, ao lado das colagens, fotomontagens e outros procedimentos técnicos, a incorporação definitiva da fotografia à arte moderna e seu distanciamento da representação figurativa. Vários pesquisadores da história fotográfica assinalam que, mesmo antes da descoberta da fixação da imagem, experiências próximas ao fotograma foram feitas, como as pesquisas de J. H. Schulze e os "perfis em silhueta", de Étienne de Silhouette e Hippolyte Charles (Dubois, 1994: 135-38), por exemplo. Entretanto, é geralmente aceito que o fotograma foi inventado por William Henry Fox Talbot, quando começou a realizar, em 1834, os photogenic drawing. Estes "desenhos fotogênicos" eram imagens negativas de folhas de árvores e plantas feitas para os pesquisadores, pois a nova técnica ainda estava muito ligada às pesquisas científicas, especialmente as relacionadas à botânica. Além dos pesquisadores, como Anna Atkins, muitos pioneiros da fotografia realizaram fotogramas, como forma de experimentar a fotossensibilidade das emulsões e também de brincar com o novo meio. Cada fotógrafo denominou seu trabalho de forma diferente: para Thomas Wedgwood eram "perfis agenciados pela luz", para Nicéphore Niépce "heliografias" (Monforte, 1997:24), além dos "desenhos fotogênicos", de Talbot, termo que foi adotado por outros fotógrafos, como Hippolyte Bayard, para designar a técnica.
O ressurgimento do fotograma nas vanguardas Da mesma forma que a fotografia surgiu de várias experiências desenvolvidas paralelamente, a exploração das possibilidades criativas do fotograma também foi feita coletivamente, junto aos movimentos de vanguarda especialmente no dadaísmo, no surrealismo e no construtivismo. Três fotógrafos se destacaram: Christian Schad, Man Ray e László Moholy-Nagy. Eles demostraram que a redescoberta das impressões fotogramáticas não se deu por acaso, mas visando responder a certas necessidades de expressão comuns a uma época. Tais experiências que não devem ser compreendidas isoladamente, mas no conjunto de processos e técnicas reinventados ou descobertos pelas vanguardas podem ser vistas como expressão do amor pela técnica dominante nos anos 20, da radicalização das pesquisas no campo da abstração e da diluição das fronteiras entre as diversas formas de expressão artística. Seja pelo efeito estético obtido, seja pela mistura de suportes, pode-se dizer que o fotograma é uma técnica que circula na fronteira entre fotografia e artes plásticas. Esse espírito de experimentação vivido na arte do início do século XX fez com que os artistas recuperassem antigas técnicas fotográficas e com o fotograma aconteceu exatamente o mesmo. Eles ressurgiram em 1904, nas silhuetas feitas por J. B. Kerfoot, publicadas no número 8 da revista Câmera Work. Há um pequeno texto em que Kerfoot explica a técnica e indica as soluções para a revelação das imagens (Câmera Work, 1997: 199). Os perfis silhuetados de Alfred Stieglitz, Alvin Langdon Coburn, Gertrude Käsebier e Eduard J. Steichen talvez sejam uma das primeiras experiências modernas ligadas aos fotogramas. Isto pode indicar o importante papel da vanguarda fotográfica de Nova York, não só para a divulgação de uma nova estética fotográfica, mas para a afirmação de uma nova concepção do ato fotográfico.
Os anos 20 marcaram a consolidação dessa prática, que se impõe na arte da década de 30. Mais que uma transposição da técnica, as vanguardas usaram os fotogramas de outra forma, distante das pesquisas científicas de Talbot. A maioria dos artistas incorporou as pesquisas iniciais de Schad, Ray e Moholy-Nagy. Outros, no mesmo período, demonstraram que a técnica dos fotogramas possibilitava uma série de procedimentos de impressão combinados, aumentando ainda mais seu potencial criativo.
Os objetos de sonho de Man Ray O americano Man Ray (1890-1976) foi um artista múltiplo, como grande parte dos artistas das vanguardas. Fotógrafo, pintor, cineasta, desenhista e ilustrador, é o nome mais comumente associado à prática dos fotogramas e um dos maiores expoentes do dadaísmo e surrealismo. Man Ray iniciou suas experiências fotográficas em 1915, a partir do contato com a vanguarda de Nova York, na galeria 291. Em 1920, o essencial de seu trabalho estava relacionado à reprodução de quadros e esculturas, experiências que não se resumiam a uma simples constatação visual. A obra de arte se transformava, condicionada pelos pontos de vista e iluminação, em resíduo de uma outra existência. Man Ray utilizou essas imagens para falar da fotografia: "Tal como as cinzas intactas de um objeto consumido pelas chamas, estas imagens são resíduos oxidados, fixados pela luz e elementos químicos (...). São o resultado da curiosidade, da inspiração, e estas palavras não têm a pretensão de explicar o que quer que seja" (Ray, 1998: 84). No entanto, somente a partir de 1921, quando muda para Paris e se integra ao grupo dos dadaístas, Man Ray passa a se dedicar mais seriamente à fotografia que, para ele, era um meio mais simples e mais rápido que a pintura para a revitalização das artes visuais, pois oferecia um vasto campo para as experimentações estéticas. Seu espírito dada se revela, entre outras coisas, na utilização de todos os materiais possíveis na realização das obras, que não têm finalidade nem valor a não ser o de documentar o próprio processo criador (Foresta, 1988: 5-11). Sua obra fotográfica e seus fotogramas alteraram as formas da natureza, transformando objetos reais em signos, descontextualizando-os e criando uma nova realidade. Isto pode ser visto em algumas imagens em que os objetos se misturam e perdem sua especificidade. Jean-Marie Schaeffer explica que, nos fotogramas, devido aos fenômenos de defração da luz, quanto maior a distância entre os objetos e a superfície sensível mais imprecisos serão os contornos da sombra. Aqueles que reproduzem sombras mais "reconhecíveis" foram feitos colocando-se diretamente os objetos sobre a superfície sensível. (Schaeffer, 1996: 55).
Legendas das fotos Referências Bibliográficas CAMERA WORK, the complete illustrations, 1903-1917. Cologne: Taschen, 1997. DELPIRE, Robert (Ed.). Photogrammes. Paris: Nathan, 1998. (Col. Photopoche, v.74) DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 1994. FORESTA, Mery. "A l'écoute de la lumière". In: DELPIRE, Robert (Ed.). Man Ray . Paris: Nathan, 1988. (Col. Photopoche, v.33) FREUND, Giselle. La fotografia como documento social. Barcelona: Gustavo Gilli, 1976. LIVINGSTONE, Jane; KRAUSS, Rosalind ; ADES, Dawn. Explosante-fixe; photographie et surréalisme. Paris: C. George Pompidou/Hazan, 1985. MONFORTE, Luiz G. Fotografia pensante. São Paulo: Ed. SENAC, 1997. PHILLIPS, Christopher (Ed.). Photography in the modern era: european documents and critical writings, 191-1940. New York: Aperture, 1989. RAY, Man. Ce que je suis. Paris: Hoëbeke, 1998. (Col. Arts & esthétique, vol. 13) (Col. Arts & esthétique, vol. 13) SCHAEFFER, Jean-Marie. A imagem precária. Campinas: Papirus, 1996. |