A equipe da Studium abre essa edição em luto. Por quase vinte anos eu e Lygia Nery estivemos juntos desde o final do longínquo ano de 1999, na criação e na construção da revista quando iniciamos com nossa experiência com o número Zero. Lygia era perfeccionista e sempre percebia as novas edições como desafios para explorar design e navegabilidade, e sempre atuou com precisão na manutenção dos dados. A Studium foi parte de sua vida, e ela nos deixou um trabalho de excelência. Iríamos iniciar o trabalho de formatação da Studium 39 em janeiro de 2018, mas ela nos deixou no último dia de 2017.
Ivan Avelar dará continuidade na formatação da revista, e decidimos, como homenagem a Lygia Nery, mantermos o design da última edição da revista.
A Studium 39 traz os trabalhos apresentados no V Seminário Studium, que aconteceu em setembro, no Instituto de Artes da Unicamp. A proposta do V Seminário Studium foi atividade acadêmica de encontro com pensadores e artistas, como de outras edições anteriores. As relações atuais, e mesmo passadas da fotografia, com outras artes são muito referenciadas na literatura específica, e na cena contemporânea da arte temos uma maior implicação do fotográfico nas estratégias dos artistas e nos movimentos que sua materialidade, e também, de sua imaterialidade conceitual, como potência imagética deslocada de um primeiro significado. Assim, campos como do fotolivro, em ebulição no mercado editorial e artístico, mesmo atenuando seu conceito, implicam também rever questões de relações da fotografia com a literatura, e com cinema, assim como processos recentes de pensar o fotográfico na relação com outras artes, como a escultura, por exemplo, e também trazer o debate sobre processos criativos e teoria
Tivemos uma mesa com artistas comentando sua trajetória, com presença de Maureen Bisilliat, Marcelo Zocchio e Inês Bonduki. Os dois últimos apresentam nessa edição seus mais recentes trabalhos artísticos.
Antonio Ansón, convidado estrangeiro do seminário, apresenta em seu texto as possíveis influências da estética dos álbuns de famílias e a literatura contemporânea, trazendo muitos exemplos destas relações, como o autor indica em seu texto quando, por exemplo, “a literatura contemporânea escolhe com frequência a forma episódica e fragmentária do álbum”;
Erico Elias nos apresenta o processo criativo que resultou no filme VALERIO (2018), realizado a partir do arquivo de imagens e partituras deixado por Valério Vieira (1862-1941). O filme faz parte de pesquisa de doutorado em Artes Visuais, que trata da transposição de arquivos fotográficos à tela do cinema, por meio da categoria dos “fotofilmes de apropriação”;
Fábio Gatti propõe visitar o trabalho de alguns teóricos que discorrem sobre o fazer fotográfico com o intuito de torná-lo visível enquanto estratégia criativa da mesma ordem da formação de uma obra de arte. A partir da Teoria da Formatividade, elaborada por Luigi Pareyson, discute Flusser, Fontcuberta, Muller-Pohle, Tadeu Chiarelli; Philippe Dubois;
Felipe Abreu analisa os aspectos estruturais e narrativos do fotolivro Illustrated People, de Thomas Mailaender – ganhador do prêmio de melhor fotolivro no Photobook Awards em 2015; Fernanda Grigolin se dedica a analisar a obra de Marcelo Brodsky, principalmente seu livro Buena memoria (1997), e a questão dos milhares de desaparecidos, que também ressurge em seu livro Tiempo de árbol (2013);
Priscila Sacchettin analisa o clássico e raro livro de Jorge de Lima, A pintura em pânico, publicado em 1943, e contextualiza a obra buscando as referências visuais que Lima adotou (Ernst, Ismael Nery, Giorgio de Chirico, por exemplo);
Paula Cabral apresenta um breve histórico das imbricadas relações entre fotografia e escultura no campo da arte, assim como debater essas relações na contemporaneidade e o faz através de algumas exposições referenciais do final do século XX e início do século XXI.
Fernando de Tacca
VALERIO: pequena história de um fotofilme
Erico Elias
O artigo aborda o processo criativo que resultou no filme VALERIO (2018), realizado a partir do arquivo de imagens e partituras deixado por Valério Vieira (1862-1941). O filme faz parte de pesquisa de doutorado em Artes Visuais, que trata da transposição de arquivos fotográficos à tela do cinema, por meio da categoria dos “fotofilmes de apropriação”.
The article deals with the creative process that resulted in the film VALERIO (2018), made from the archive of images and scores left by Valério Vieira (1862-1941). The film is part of a PhD research in Visual Arts, which deals with the transposition of photographic archives to the cinema screen, through the category of "appropriation photofilms".
A teoria como estratégia criativa: fotografia e formatividade
Fábio Gatti
Nas últimas décadas, as produções e manifestações no campo da arte apresentam um panorama de reflexões acerca do universo da fotografia na tentativa de significá-la e compreendê-la. Nesse sentido, propõe-se visitar o trabalho de alguns teóricos que discorrem sobre o fazer fotográfico com o intuito de torná-lo visível enquanto estratégia criativa da mesma ordem da formação de uma obra de arte. Para tal empresa, optou-se por uma sustentação na Teoria da Formatividade, elaborada por Luigi Pareyson (1918-1991) na segunda metade da década de 1950, que considera toda atividade humana como criativa e, portanto, inventiva, bem como na tese de Ferreira Gullar, para quem o homem é uma invenção de si mesmo. Assim, partiu-se de alguns textos, argumentos e conceitos do campo fotográfico desde suas primeiras formulações nos anos 1970, como é o caso do conceito de fotografia expandida em Flusser, Fontcuberta, Muller-Pohle, retomado nos anos 1990 por Rubens Fernandes Junior, no Brasil; da fotografia contaminada de Tadeu Chiarelli; da manobra de pensar a imagem pela Interpretação dos Muitos Mundos feita por Dubois; da discussão entre a realidade e a ficção proposta pela exposição A Invenção de um Mundo, ocorrida no Itaú Cultural em São Paulo em 2009; do conceito de contravisão de Fontcuberta e da ideia de pós-fotografia do mesmo autor, também presente em Dubois. Espera-se demonstrar como a construção dessas estruturas textuais, cujo intento é a edificação de instrumentos de análises compatíveis com os investimentos elaborados pelos artistas na atualidade, é também invenção.
In the last decades, the productions and manifestations in the field of art present a panorama of reflections about the universe of the photography in an attempt to signify and understand it. In this sense, it is proposed to visit the work of some theorists who discuss about the photographic making with the intention of making it visible as a creative strategy of the same order of the formation of a work of art. For this, it was opted for a support in the Theory of Formativity, elaborated by Luigi Pareyson (1918-1991) in the second half of the decade of 1950, in which all human activity is considered as creative and therefore inventive, as well as in the thesis of Ferreira Gullar, for whom man is an invention of himself. Thus, it was possible to depart from some texts, arguments and concepts of the photographic field from its first formulation in the 1970s, as is the case of the concept of photography expanded in Flusser, Fontcuberta, Muller-Pohle, resumed in the 1990s by Rubens Fernandes Junior, in Brazil; of the contaminated photography in Tadeu Chiarelli; of the maneuver to think the image by the Many-Worlds Interpretation by Dubois; of the discussion between reality and fiction proposed by the exhibition A invenção de um mundo, held at Itaú Cultural in São Paulo in 2009; of the concept of counter-vision in Fontcuberta and the idea of post-photography in the same author, also present in Dubois. It is hoped to demonstrate how the construction of these textual structures, whose intent is the construction of analytical instruments compatible with the investments made by artists nowadays, is also an invention.
Análise da sequência e das possibilidades narrativas no fotolivro Illustrated People, de Thomas Mailaender
Felipe Abreu e Silva
Este artigo analisa os aspectos estruturais e narrativos do fotolivro Illustrated People, de Thomas Mailaender – ganhador do prêmio de melhor fotolivro no Photobook Awards em 2015 –, e o impacto desses elementos em sua recepção crítica. Para tanto, aplica-se uma metodologia baseada em elementos da teoria da montagem cinematográfica, possibilitando maior entendimento da construção de um fotolivro. Após essa análise, foi constatado que os aspectos estruturais e narrativos são presentes na análise crítica desse fotolivro, apresentando-se como importantes aspectos tanto para a criação quanto para o entendimento desse tipo de obra artística.
This article analyses the structural and narrative aspects of the photobook Illustrated People, by Thomas Mailaender – winner of best photobook in the 2015 Photobook Awards – and the impact of these elements in its critical reception. To do so, a methodological approach based in elements from the theory of montage in cinema is applied, allowing a better understanding of the construction of a photobook. After the analysis, it is found that both structural and narrative aspects are present in the critical analysis of this photobook, presenting themselves as important aspects for the creation and for the understating of this type of artistic creation.
Livro-arquivo, uma leitura de Buena memoria e Tiempo de árbol, de Marcelo Brodsky
Fernanda Grigolin
O argentino Marcelo Brodsky define os livros como a síntese mais completa de um trabalho de um artista visual. Em 1997, ele publicou Buena memoria, o seu mais conhecido e prestigiado trabalho. Por meio de uma imagem de escola, Brodsky resgata histórias de vida de seus antigos companheiros, mapeia quantos ficaram desaparecidos e fala da memória de seu irmão Fernando, morto pela ditadura argentina. O tema dos desaparecidos é recorrente no trabalho de Brodsky. Algumas imagens de Buena memoria ressurgem em seu livro Tiempo de árbol (2013), com outra montagem e sequencialidade, olhando as imagens por meio de um tempo lento e reflexivo. Nas palavras do artista: “El tiempo de árbol es el de la naturaleza, controlado por factores ajenos a la voluntad humana”.
The Argentine Marcelo Brodsky defines the books as the most complete synthesis of a work of a visual artist. In 1997, he published Buena Memoria, his best known and most prestigious work. Through a college image, Brodsky rescues life stories from his former comrades, maps out how many were missing and speaks of the memory of his brother Fernando, killed by the Argentine dictatorship. The theme of the missing is recurrent in Brodsky's work. Some images of Buena Memoria reappears in his other book Tiempo de Árbol (2013). In the second the imagens reappears with another montage and sequentiality, taking the images through a slow and reflective time. In the words of the artist: "Tree time is the time of nature. It is controlled by factors unrelated to the human will."
Bordas, fronteiras, limites
Inês Bonduki
Bordas, fronteiras, limites compreende uma série de ações que investigam poeticamente os limites indefinidos da Grande São Paulo. A partir do embate virtual e físico do corpo com o espaço urbano, do olhar minucioso do caminhante vulnerável ou descorporificado do observador virtual e motorizado, diferentes temporalidades e espacialidades de um mesmo lugar se descortinam, revelando frustrado nosso desejo de domina-lo.
Borders, limits, frontiers comprises a series of actions that poetically investigates the ill-defined limits of Great São Paulo. From the virtual and physical confrontation of the body and the city space, the meticulous regard of the vulnerable walker or the disembodied look of the virtual and motorized watcher, different temporalities and spatialities from a same place are unfolded, revealing our frustrated capability to seize it.>
As Árvores Crescem Perpendiculares ao Chão
Marcelo Zocchio
A instalação intitulada As árvores crescem perpendiculares ao chão, de 2017, é composta por peças de madeira reaproveitada, de tamanhos, tipos e cores variadas, carregadas de marcas adquiridas com o tempo e seu uso anterior, como encaixes, furos, pregos e pintura. As peças são suspensas pelo teto do espaço expositivo por cabos de aço, numa altura que permite ao visitante caminhar por baixo e observar imagens de árvores, impressas por transferência, nas seções inferiores de corte das madeiras como a manifestação de uma “memória” do ser vivo ao qual um dia aquela peça pertenceu. A instalação propõe um jogo de significados e arranjos: as peças penduradas se tornam árvores, as árvores fotografadas se tornam peças de madeira e, ao examinar as imagens, o observador assume a posição do autor das fotos quando este fotografava no campo. Assim o espectador é levado inadvertidamente a uma espécie de bosque virtual invertido.
Trees grow perpendicular to the ground. Installation consisting of pieces of recicled wood of various sizes, types and colors, carrying marks acquired over time and their previous use, such as fittings, holes, nails and painting. The pieces are suspended by the ceiling of the exhibition space by steel cables, at a height that allows the visitor to walk under and observe images of trees, printed by transfer, in the lower sections of wood cutting as a manifestation of a "memory" of the living being to which one day that piece belonged. The installation proposes an exchange of meanings and arrangements: the hanging pieces become trees, the photographed trees become pieces of wood and, when examining the images, the observer assumes the position of the author of the photos when shooting the photographs in the field. Thus the viewer is inadvertently taken to a kind of inverted virtual forest.
Fotomontagens de Jorge de Lima: A pintura em pânico
Priscila Sacchettin
Desde meados da década de 1930, Jorge de Lima exercitava-se na técnica da fotomontagem. Das imagens produzidas nessa época surgiu A pintura em pânico, volume com 41 pranchas, publicado no Rio de Janeiro em 1943, nunca reeditado. Cada imagem é acompanhada por um título/legenda: textos breves que não possuem função explicativa ou descritiva, antes ressaltam o teor enigmático das imagens. Há também um prefácio escrito pelo poeta Murilo Mendes, que relaciona a obra com o surrealismo e com trabalhos de Max Ernst, além de atentar para o teor político da técnica ali empregada. Meu intuito é oferecer uma contextualização dessa publicação, partindo das referências visuais que Lima adotou (Ernst, Ismael Nery, Giorgio de Chirico, por exemplo).
Since the mid-1930s, Jorge de Lima had been practicing in the technique of photomontage. From the images produced at that time came A pintura em pânico, a book with 41 plates, published in Rio de Janeiro in 1943, never reissued. Each image is accompanied by a title / caption: short texts that have no explanatory or descriptive function, but rather highlight the enigmatic content of the images. There is also a preface written by the poet Murilo Mendes, which relates the work to surrealism and works by Max Ernst, as well as to the political content of the technique employed there. My intention is to offer a contextualization of this publication, starting from the visual references that Lima adopted (Ernst, Ismael Nery, Giorgio de Chirico, for example).
Sobre o escultural no fotográfico ou o fotográfico na escultura
Paula Cabral
O presente texto tem como objetivo apresentar um breve histórico das imbricadas relações entre fotografia e escultura no campo da arte, assim como debater essas relações na contemporaneidade.
A partir de algumas exposições referenciais, aponta-se uma ampla gama de possibilidades, estratégias e processos que tornam as duas especificidades artísticas indissociáveis nas obras, apontando que a inventividade dos artistas faz de mais a mais emergir a teia complexa de relações e possibilidades abertas na e pela arte contemporânea.
The present text aims to present a brief historical panorama of the intertwined relationships between photography and sculpture in the art field, as well as to discuss these relations in contemporary times.
From referential expositions, a broad range of possibilities, strategies and processes are pointed out making the two artistic specificities inseparables from each other, pointing out that the inventiveness of artists makes a complex web of relationships and open possibilities arise in contemporary art.
ÁLBUNS - A influência da estética do álbum de família na literatura contemporânea
Antonio Ansón
O artigo trata da influência exercida pelo surgimento dos álbuns de família na literatura contemporânea. A fotografia, assim como as lembranças, tem um caráter íntimo e mistura em sua tessitura os traços precisos de um documento e a imprecisão de uma imagem indicial. O autor aborda diversos exemplos de obras literárias que incorporam as fotos de família em sua trama a partir de múltiplas abordagens. Diversos escritores contemporâneos são mencionados, tais como Gabriel Garcia Márquez, Jorge Semprun, Georges Pérec, Margerite Duras, Paul Auster, Julián Ríos, Günter Grass e Juan Benet.
The article deals with the influence exerted by the emergence of family albums in contemporary literature. Photography, as well as memories, has an intimate character and blends in its fabric the precise features of a document and the imprecision of an indicial image. The author addresses several examples of literary works that incorporate family photos into his plot from multiple approaches. Several contemporary writers are mentioned, such as Gabriel Garcia Marquez, Jorge Semprun, Georges Pérec, Margerite Duras, Paul Auster, Julián Ríos, Günter Grass and Juan Benet.
Expediente Studium 39
ISSN: 1519-4388
20 de março de 2018
Foto da capa: "Série Paris Banal, 2016/2917", de Fernando de Tacca.
Arte da capa: Ivan Avelar
Equipe Studium:
Coordenação Editorial: Fernando de Tacca
Comissão Editorial: Iara Lis Schiavinatto e Mauricius Farina
Assistente Editorial: Paula Cabral Tacca
Consultoria Bibliográfica: Maria Lúcia N. D. Castro
Revisão: Ieda Lebensztayn
ß-tester PC: Rogério Simões da Cunha
Assistente de Editoração Eletrônica: Vivian Cabral
Suporte Técnico e Programação: Daniel Roseno da Silveira
Lygia Neri [in memoriam]: criação e design originais
Webmaster e designer: Ivan Avelar
Conselho Editorial:
Adilson Ruiz
Eduardo Castanho
Francisco da Costa ( FUNARTE/RJ)
Haenz Quintana Gutierrez ( UFSC)
Hélio Lemos Sôlha ( UNICAMP)
Helouise Costa - ( MAC/USP)
Joel La Lana Sene; ( USP)
Luiz Eduardo Robinson Achutti ( UFRGS)
Massimo Canevacci - (Universidade La Sapienza, Roma)
Maria Eliana Facciolla Paiva - (ECA / USP)
Milton Guran ( Cândido Mendes/RJ)
Rubens Fernandes Junior ( FAAP/SP)
Laboratório de Media e Tecnologias de Comunicação
Dpto. de Multimeios / Instituto de Artes da Unicamp