A síndrome Hong Kong
Capa do suplemento Cultura|s de quarta-feira, 11 de maio de 2011
Depreende-se deste recente episódio de darwinismo tecnológico uma mudança de cânone fotojornalístico: a velocidade prevalece sobre o instante decisivo, a rapidez sobre o refinamento. Nas épocas heróicas da reportagem fotográfica, os repórteres dispunham de tempo e recursos. Quando a National Geographic celebrou seu centenário, no editorial de seu número especial se vangloriavam de poder oferecer a seus privilegiados colaboradores condições ótimas de trabalho: assistentes, helicópteros, hotéis luxuosos... Na média, em cada reportagem encomendada disparavam-se 27 mil fotos, das quais se terminava publicando apenas uma exígua dúzia, a qual era necessariamente o suprassumo. Mas estes anos de ostentação passaram, empurrados pelos efeitos de um mercado cada vez mais competitivo e pela imersão em uma nova midiasfera. Tem-se falado muito do impacto da irrupção da tecnologia digital em todos os âmbitos da comunicação e da vida cotidiana; para a imagem, e para a fotografia em particular, significou um antes e um depois. Se pode comparar à queda do meteorito que levou à extinção dos dinossauros e abriu espaço para novas espécies. Durante um tempo, os dinossauros não foram conscientes da colisão e viveram felizes como testemunhas passíveis – e pasmas – das mudanças que se operavam em seu ecossistema: as nuvens de poeira não deixavam passar os raios de sol com consequências letais para vegetais e animais. Hoje, empalidece uma fotografia-dinossauro que está dando espaço a novas adaptações, mais adaptadas a um novo entorno sociocultural.
Da síndrome de Hong Kong aprendemos que hoje a urgência da imagem por existir prevalece sobre as qualidades da própria imagem. Esta pulsão garante uma massificação sem precedentes, uma poluição icônica que por um lado vem sendo implementada pelo desenvolvimento de novos dispositivos de captação visual e por outro lado, pela enorme proliferação de câmeras – seja como aparelhos autônomos ou incorporadas a telefones móveis, webcams e dispositivos de vigilância. Isto nos imerge num mundo saturado de imagens: vivemos na imagem e a imagem nos vive e nos faz viver. Já nos anos sessenta, Marshall McLuhan profetizou o papel preponderante dos mass media e propôs a iconosfera como modelo de aldeia global. A diferença é que na atualidade culminamos num processo de secularização da experiência visual: a imagem deixa de ser domínio de magos, artistas, especialistas ou profissionais a serviço de poderes centralizados. Hoje, todos nós produzimos imagens espontaneamente, como uma forma natural de relacionar-nos com os demais, a pós-fotografia se erige numa nova linguagem universal.
Periferias da imagem
Ao tentar analisar o atual estatuto da imagem há de se pensar, em primeiro lugar, nos horizontes das investigações científicas avançadas, que já exploram os mecanismos perceptivos que se situam na fronteira ciência-ficção. Para nossos pais, um simples transplante de córnea pareceria pura fantasia. Hoje, a nanotecnologia permite o implante de diminutos telescópios oculares que reduzem os superpoderes de Clark Kent a um simples complemento fashion da Srta. Pepis[2] (www.visioncareinc.net/technology). Ou possibilita também que um artista iraquiano e professor de fotografia pela New York University, chamado Wafaa Bilal, tenha cirurgicamente inserido uma microcâmera na parte posterior de seu crânio para fotografar a torto e a direito (não é brincadeira, embora pareça, pode-se comprovar em <wafaabilal.com/). Não satisfeitas em patrocinar a camiseta do Barça, algumas instituições governamentais do Catar também comissionaram o projeto para sua première, no novo museu de Doha, o Mathaf-Museu Árabe de Arte Moderna. A ideia é que a encéfalocâmera de Bilal dispare a intervalos regulares de um minuto e as imagens possam ser vistas em tempo real por streaming a partir dos monitores do museu: não lhes soa um pouco como a história que viveram Romy Schneider e Harvey Keitel no filme La Mort en Direct (1980) de Bertrand Tavernier?
Mas, sem dúvida, para os leigos, as experiências mais alucinantes são as de centros high-tech como o CNS (Computational Neuroscience Laboratories) de Kyoto (www.cns.atr.jp/en/), cujos departamentos de Computational Brain Imaging y Dynamic Brain Imaging buscam monitorar a atividade mental a fim de extrair imagens simples diretamente do cérebro e projetá-las sobre uma tela. Abra bem os olhos, pois isto abriria um leque de capacidade que somente vimos no cinema fantástico: filmar com nossos olhos, gravar nossos sonhos e vê-los na manhã seguinte pelo televisor, codificar as emoções a fim de traduzi-las em imagens ou acessar simultaneamente a percepção visual de outra pessoa. A revista especializada Neuron (Vol. 60, nº 5, 11/12/2008), publicou uma monografia sobre o tema, com título de Visual Image Reconstruction from Human Brain Activity. Filmes como Minority Report (2002), de Steven Spielberg, ou Inception (2010), de Christopher Nolan, logo parecerão brincadeira de criança.
O desafio nos aguarda na esquina, pois uma consideração holística da imagem não pode se contentar com a transferência ontológica que produz a substituição da prata pelo silício e dos grãos de haleto de prata por pixels. Borrados completamente os confins e as categorias, a questão da imagem pósfotográfica ultrapassa uma análise circunscrita a um mosaico de pixels que nos remete a uma representação gráfica de caráter escritural. Ampliemos o enfoque a uma perspectiva sociólogica e observemos com que facilidade a pósfotografia habita a internet e seus portais, isto é, as interfaces que hoje nos conectam ao mundo e veiculam boa parte de nossa atividade. O crucial não é que a fotografia se desmaterialize convertida em bits de informação, mas sim como estes bits de informação propiciam sua transmissão e circulação vertiginosa. Google, Yahoo, Wikipedia, YouTube, Flickr, Facebook, MySpace, Second Life, eBay, PayPal, Skype, etc mudaram nossas vidas e a vida da fotografia. Efetivamente, a pósfotografia não é mais que a fotografia adaptada à nossa vida on-line. Um contexto no qual, como no ancien régime da imagem, cabem novos usos vernaculares e funcionais frente a outros artísticos e críticos. Falemos destes últimos.
Decálogo posfotográfico
Como opera a criação radical posfotográfica? Esta seria uma proposta plausível expressada de forma tão sumária como clara:
Os pontos fortes deste decálogo (nova consciência autoral, equivalência da criação com a prescrição, estratégias apropriacionistas de acumulação e reciclagem), desembocam no que poderíamos chamar de estética do acesso. A ruptura fundamental a que assistimos se manifesta na medida em que a caudal extraordinária de imagens se encontra acessível a todo mundo. Hoje, as imagens estão disponíveis a todos. O crítico Clément Chéroux escreve: “De um ponto de vista de seus usos, se trata de uma revolução comparável à instalação de água corrente nos lares no século XIX. Hoje, dispomos, em domicílio, de uma torneira de imagens que implica numa nova higiene da visão.”. Exemplifica magistralmente esta estética a obra de Penelope Umbrico. No processo de realização de Suns from Flickr, 2006 (<www.penelopeumbrico.net/Suns/Suns_Index.html), uma de suas peças mais populares, explica que um dia sentiu o impulso de tirar uma foto de um romântico pôr-do-sol. Ocorreu-lhe consultar quantas fotos correspondiam à tag sunset no Flickr e descobriu que dispunha de 541.795 apetitosos pores do sol; em setembro de 2007 eram 2.303.057 e em março de 2008, 3.221.717 (olho em 12/2/2011 e são 8.700.317). Somente no Flickr e somente em um idioma de busca, o termo proporciona um magma multimilionário de pores do sol. Faz sentido esforçar-me para tomar uma foto adicional? Contribuirá em algo que façamos o que já existe? Vale a pena enriquecer a contaminação gráfica reinante? Umbrico responde que não, não e não. E então, se lança a sua particular cruzada ecologista: baixará do Flickr 10.000 pores do sol, que reciclará num mural com o qual forrará a parede de um museu. Obviamente que isto revoltou a ingenuidade dos usuários do Flickr, que se põem em pé de guerra: “Vovózinha, que motores de busca afiados que tens!” “São para prescrever-te melhor!”. O posfotograficamente cômico é que se hoje buscamos sunset no Flickr, aparecem as composições de Umbrico ou as fotos que os visitantes tomaram em suas exposições. Seu gesto simbólico se revela inútil: a contaminação zero não pode ser, além de ser impossível[3].
O autor nas nuvens
Uma das modas mais tipicamente pósfotográficas é a fotografia realizada por animais (irracionais, se me entende). Historicamente, o primeiro ensaio foi realizado por um fotojornalista alemão, Hilmar Pabel, que trabalhava como freelancer para a Berliner Illustrierte Zeitung. Em 1935 propôs emprestar Leicas aos chimpanzés do zoológico de Berlim e pedir aos seus cuidadores que lhes adestrassem a apertar o obturador mimetizando o gesto dos visitantes, adultos e crianças, que não paravam de captar com suas próprias câmeras as macaquices dos macacos. O modelo se convertia em fotógrafo. Os editores se encantaram e publicaram os resultados da performance. Só que quando Pabel apresentou a conta, disseram-lhe que não era por aí: Com que direito pretendia cobrar por fotos que não tinha feito? Os verdadeiros autores eram os chimpanzés. Não adiantou falar que era ele quem tinha orquestrado a situação e que tanto fazia quem disparava a câmera: o que era realmente importante era como o projeto se carregava de sentido. Pabel perdeu a batalha, mas não a guerra: renegociou a reportagem com a LIFE, que o publicou em 05/09/1938 e reconheceu sua autoria. Anedota a parte, este caso nos ilustra sobre a localização da condição autoral; não tanto no fazer quanto no prescrever (ou seja, na atribuição de valor e sentido, na conceitualização), o que adquire uma relevância tutelar no contexto da internet. Em 1888, George Eastman cunhou aquele slogan popular que levou a Kodak para o topo da indústria fotográfica (“Você aperta o botão, nós fazemos o resto!”); hoje nos damos conta de que o importante não é quem aperta o botão e sim quem faz todo o resto: quem põe o conceito e gere a vida da imagem.
Seguindo a corrente, mas seguramente desconhecendo o precedente histórico, o casal de artistas moscovitas Vitaly Komar e Alex Melamid, que já haviam apresentado em 1995 seu projeto de Renee, o elefante pintor, consagraram, em 1999, o pavilhão russo da Bienal de Veneza a Mikki, o chimpanzé fotógrafo. Desde então, os portões se abriram e por toda a internet se amontoam toda classe de mascotes capazes de tirar fotos, seja por si próprios ou com discretos sistemas de apoio. Seguramente os cracks deste bestiário fotográfico – embora a verdade seja que existe muita competência – são os cachorro Rufus e a gata Nancy Beans, que nos oferecem pitorescos documentos de um ponto de vista canino e felino da comunidade urbana de seus proprietários (Reiji Kanemoto e Christian Allen, respectivamente). Cabras, touros e cavalos também subiram na arca de Daguerre. Sem pretender em absoluto me aproximar do cinismo, uma apropriação parecida ocorreu com fotos tiradas por crianças, doentes mentais, cegos, fotógrafos domingueiros, amadores avançados, retratistas comerciais, cientistas, policiais, bombeiros, fotojornalistas, profissionais, artistas, satélites, câmeras de tráfego, Google Street View, cabines fotográficas... A perversão consistiu sempre em outorgar significado a obras órfãs, ou em mudar o significado original por outro, à maneira do ready-made duchampiano. Como é óbvio, este gesto de transgressão choca com a legitimidade de um certo status quo da propriedade intelectual, legitimidade em suspeita, que introduz questões éticas e legais: seguramente, só a competência dos resultados poderá dar um veredito definitivo no momento em que o direito de autor está nos ares, porque o próprio autor está nas nuvens. Em paralelo à tendência irrefreável do cloud computing (manejar terminais que através da internet se sirvam de programas e bancos de dados que são comuns), se privilegia em definitivo uma cultura que socializa a autoria ou que simplesmente a pulveriza para as nuvens para colocá-la a serviço de quem a necessite. Bem-vindos pois, ao mundo da fotografia 2.0!
Atlas e serindipidades
Provavelmente, hoje, Alonso Quijano não enlouqueceria nas bibliotecas devorando romances de cavalaria, mas sim absorto frente à tela caleidoscópica de um computador, uma janela que se abre para um mundo duplo e simétrico, como o que Alice descobriu ao atravessar o espelho, um mundo paralelo em que podemos viver e nos aventurar, e no qual a realidade pode dobrar-se em grande medida a nossos desejos. No cenário virtual podemos ser aquarelistas de fim de semana ou artistas conceituais, podemos fazer fotografia documental tradicional ou praticar o antifotojornalismo. Um exemplo: Txema Salvans realiza, há anos, um metódico trabalho documental – magnífico – sobre a prostituição de rua na rodovia C-31 de Barcelona a Castelldefels. Disfarçado de inócuo topógrafo, Txema leva escondida uma volumosa câmera que usa para espreitar a solidão das vendedoras de sexo abandonadas ao barulho do tráfego. Por sua vez, Jon Rafman, sem distanciar-se da tela de seu computador, em Montreal, faz uma série similar rastreando situações de rua registradas pelo Google Street View e acessíveis a qualquer usuário. Qualidade gráfica à parte, o resultado coincide em intenção e profundidade. A partir de agora o olhar documental pode bifurcar-se em duas metodologias complementares que nos confrontam com as essências profundas do meio. Pistas do debate que está por chegar afloram no caso protagonizado por Michael Wolf, fotógrafo da velha escola, aluno legendário de Otto Steinerty, com uma larga carreira em fotografia documental e de ilustração editorial. Como Rafman, Wolf se sentiu seduzido pelas possibilidades do Google Street View e empreendeu projetos em seu seio; um deles, A Series of Unfortunate Events, recompila insólitos incidentes captados fortuitamente. O gracioso é que este projeto já recebeu uma menção de honra na última convocatória do canônico World Press Photo, provocando a previsível consternação da concorrência. Obviamente, é um prêmio que deve-se ler como incipientes indicações de benção: os papas da foto documental começam a render-se à evidência pósfotográfica.
Saber que há câmeras de vigilância e satélites que fotografam tudo, 24 horas por dia, nos leva a especular quanto de acidental e imprevisto existe neste tudo. Uma comunidade de fanáticos pelo Google Earth tem detectadas 3.300 coordenadas, onde aparecem aviões em vôo: se milhares de aviões se encontram nos ares durante a atividade incessante de seus registros fotocartográficos, é lógico e estatisticamente muito provável que muitos destes resultem-se caçados pelas retinas mecânicas de nosso novo grande irmão. Isto faz as delícias de um novíssimo freakismo da internet: os safáris em busca da serendipidade, da surpresa, do bizarro... O fantasma de Lautréamont renasce para convidar os internautas às suas particulares buscas de máquinas de costura e guarda-chuvas sobre mesa de dissecação. E um dos temas interessantes, será pensar que valores separam estas novas obsessões vernaculares orientadas a um lazer freaki da descoberta do uso do acaso como motor criativo de artistas como Joachim Schmid ou Mishka Henner. Qualificados, ambos, de necrófagos da imagem por aqueles que ainda tiram fotos e se crêem autores, Schmid e Henner vasculham nos resíduos da lata de lixo fotográfica e se deparam com descobertas elegantemente desconcertantes, enquanto se somam à fascinação por acumular e ordenar: depósitos, listas, inventários, catalogações e atlas das descobertas fortuitas mais variadas. Schmid, por exemplo, se diverte buscando campos de futebol em paisagens de terceiro mundo. Por sua vez, Henner também escruta a epiderme do planeta com os visores do Google Earth, à caça de parcelas censuradas e vedadas à curiosidade do público, e, portanto, mais interessantes e misteriosas. Na Holanda, as zonas militares são camufladas por uma malha de polígonos irregulares cuja sofisticada geometria e cromatismo deixaria em polvorosa os neoplasticistas. Parece que há muito Mondrian e Van Doesburg escondido nos serviços de inteligência militar da Otan.
Identidades à la carte
Outro dos grandes trunfos do mundo paralelo da internet é a plasticidade maleável da identidade. Em tempos imemoriais, a identidade estava sujeita à palavra, o nome caracterizava o indivíduo. A aparição da fotografia deslocou o registro da identidade à imagem, no rosto refletido e inscrito. A arte do disfarce, da maquiagem, não fez nada além de agudizar as técnicas de autenticação biométrica, e para conseguir maior confiabilidade, começam a consolidar-se sistemas de medição de padrões da íris ou provas forenses de DNA. Mas, ao nível do usuário médio, com a pósfotografia, chega a vez de um baile de máscaras especulativo onde todos nós podemos inventar como queremos ser. Pela primeira vez na história, somos donos da nossa aparência e estamos em condições de geri-la como nos convenha. Os retratos, e, sobretudo, os autorretratos, se multiplicam e se colocam na rede, expressando um duplo impulso narcisista e exibicionista que também tende a dissolver a membrana entre o privado e o público.
Nestas fotos (reflectogramas), a vontade lúdica e autoexploratória prevalece sobre a memória. Tomar fotos e mostrá-las nas redes sociais forma parte dos jogos de sedução e dos rituais de comunicação das novas subculturas urbanas posfotográficas, as quais, embora capitaneadas por jovens e adolescentes, deixam poucos à margem. As fotos já não tomam recordações para guardar, mas mensagens para enviar e trocar: se convertem em puros gestos de comunicação, cuja dimensão pandêmica obedece a um amplo espectro de motivações. Vejamos: a atriz Demi Moore se fotografa periodicamente em roupas íntimas frente a um espelho do seu banheiro e posta suas sugestivas instantâneas no Twitter, para o prazer de seus admiradores. Apegando-se a um esteriótipo sexy poderá talvez negar o envelhecimento? Na antípoda, o ex-presidente Pasqual Maragall se autorretrata com seu celular a torto a direito, quase por prescrição médica. Em uma das sequências mais emotivas do documentário de Carles Bosch “Bicicleta, cullera, poma”, Maragall relata que cada dia, ao levantar-se, costuma fotografar-se frente ao espelho. As mudanças que está sofrendo devido ao Alzheimer produzem nele um desassossego recorrente: olhar para si e não reconhecer-se através do reflexo. As fotos contribuem para sustentar a sua aparência, o ajudam a conhecer-se e reconhecer-se. Da tragédia pessoal à metáfora sobre a sociedade pósfotográfica, entre Demi Moore e Maragall, crianças, adolescentes, adultos... milhões de pessoas empunham a câmera e se enfrentam com seu duplo no espelho: olhar-se e reinventar-se, olhar-se e não reconhecer-se. Embora paradoxalmente seja ocultando-nos que nos revelamos, o mero feito de posar implica ao mesmo tempo criar uma encenação e colocar à mostra uma máscara: o autorretrato portanto, necessariamente, questiona a hipotética sinceridade da câmera. Soltando amarras de seus valores fundacionais, abandonando alguns mandatos históricos de verdade e de memória, a fotografia acabou jogando a toalha: a pósfotografia é o que resta da fotografia.
Notas:
* Joan Fontcuberta (Barcelona, 1955) é fotógrafo e atua também como crítico, professor e ensaísta. Recebeu o último Prêmio Nacional de Artes Visuais “por seu papel determinante na cultura fotográfica contemporânea através de suas múltiplas atividades” ao largo de mais de trinta anos. Em seus trabalhos de criação e reflexão analisou, dentre outros, os conflitos entre imagem fotográfica e verdade.
[1] Texto original de Joan Fontcuberta. Por un manifiesto posfotográfico. Publicado originalmente no Jornal La Vanguardia, 11/05/2011, Barcelona, Espanha.
[2] N.T.: Famosa especialmente nos anos 60 e 70, esta marca de bonecas espanhola tinha o diferencial de permitir à criança brincar com a personalização de sua boneca através de maquiagens, cortes de cabelo e outros acessórios.
[3] N.T.: “No puede ser y además es imposible” é um aforismo cuja autoria é atribuída ao mítico toureiro Rafael Guerra.