Um "olhar europeu" em 2000 imagens: Alphons Stübel e sua coleção de fotografias da América do Sul ( I / IV )
Frank Stephan Kohl *
"Collection Alphons Stübel": um tesouro escondido
O objetivo deste artigo é apresentar o geógrafo alemão Alphons Stübel, que viajou entre 1868 e 1877 pela América do Sul, e a sua significante, mas até agora quase desconhecida, coleção de fotografias, composta originalmente por quase 2000 imagens de vários fotógrafos sul-americanos oitocentistas. Inesperadamente essa coleção nasceu de uma paixão por vulcões e se deve a uma expedição para o Havaí que nunca aconteceu.
A denominada "Collection Alphons Stübel", atualmente preservada no acervo do Leibniz-Institut für Länderkunde, em Leipzig, é a maior coleção de fotografias sul-americanas do século XIX da Alemanha e provavelmente da Europa até agora conhecida.
Comparada em número de imagens ela perde claramente para a "Colleção Dona Thereza Christina Maria" estimada em mais de 25.000 imagens e hoje guardada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Mas não podemos esquecer que essa última coleção foi reunida pelo então Imperador Dom Pedro II, grande adepto da fotografia no Brasil durante os quase 50 anos do seu reinado. E, além de criar sua coleção em grande parte com dinheiro público, o soberano aumentava seu acervo com várias fotografias doadas.[1] Alphons Stübel, porém, reuniu a sua coleção no relativamente curto período de 9 anos, adquirindo as suas imagens com os seus próprios recursos.
Se a "Collection Alphons Stübel" já pode ser considerada importante para a história da fotografia por sua quantidade de imagens, ganha mais importância ainda pelo fato de ter sido criada no século XIX e dispor de uma vasta documentação do seu colecionador e organizador, incluindo cartas, anotações, mapas, publicações entre outros documentos. Alphons Stübel não somente comprou as fotografias durante a sua viagem pela América do Sul mas, depois de retornar para a Alemanha, organizou a sua coleção de fotografias, incorporando-a numa exposição do Museu de Geografia, por ele criado no final do século XIX. Todo esse trabalho de aquisição, organização e exposição das fotografias foi amplamente documentado pelo cientista, extremamente metódico e cuidadoso.
Durante o século XX a "Collection Alphons Stübel" sofreu muitas alterações e mudanças por causa de problemas financeiros e politicos e também por questões científicas. Inaugurada a exposição em 1896 num departamento do Museu de Etnologia em Leipzig, foi transferida em 1905 para um Museu próprio, aí permanecendo até o fechamento da casa em 1928, quando voltou novamente para o Museu de Etnologia. Durante a década de 1930 foi desmontada a exposição permanente. As fotografias da "Collection Alphons Stübel" foram integradas ao acervo de imagens do Museu, desfazendo o conjunto original. Novas mudanças aconteceram em 1942 em plena Segunda Guerra Mundial, quando as fotografias foram incorporadas ao acervo do recém-fundado "Deutschen Institut für Länderkunde". Com o fim do nazismo e o novo governo comunista no poder na Alemanha Oriental as fotografias de Alphons Stübel permaneceram no acervo da mesma instituição que por motivos políticos mudou o seu foco. As fotografias quase não foram usadas para aulas de geografia nos anos seguintes e caíram quase em total esquecimento depois de uma reforma acadêmica em 1968 na extinta Alemanha Oriental, quando o "Deutsches Institut für Länderkunde" foi transformado em uma instituição de pesquisa geográfica, nomeado "Institut für Geologie und Geoökologie der Akademie der Wissenschaften". Em 1992, dois anos depois da reunificação da Alemanha, o instituto readquiriu o antigo nome, "Institut für Länderkunde", e é hoje em dia o maior centro de pesquisa de geografia regional na Alemanha. A última mudança aconteceu em 2003 quando foi adicionado o nome do filósofo alemão Leibniz no título da instituição, chamando-se a partir dessa data "Leibniz-Institut für Länderkunde".
Embora tenha sofrido algumas perdas durante todas essas mudanças nos mais de 100 anos desde a sua criação, a "Collection Alphons Stübel" manteve seu corpo muito completo. Já em 1985, ainda na Alemanha Oriental, foi feita a única pesquisa na coleção das fotografias por Andreas Krase, resultando numa tese de mestrado. [2] Krase conseguiu localizar 1720 das 2000 fotografias da coleção original. O maior obstáculo para a pesquisa da "Collection Alphons Stübel" é a desintegração do conjunto, a dispersão das fotografias no amplo acervo fotográfico do "Leibniz-Institut für Länderkunde" e a identificação dos autores das imagens. Em 2003 o "Leibniz-Institut für Länderkunde" começou um projeto de digitalização do seu acervo fotográfico[3], criando um banco de imagens. Para isso conta com o apoio do brasileiro Instituto Moreira Salles, que futuramente vai oferecer acesso à coleção pelo seu site. Atualmente a "Collection Alphons Stübel" está sendo analisada para o nosso trabalho de doutorado.
No Brasil a história de Alphons Stübel e sua coleção de fotografias é quase desconhecida. No final de 2000 Pedro Karp Vasquez informou no seu livro sobre os Fotógrafos alemães no Brasil do século XIX da "existência de um formidável acervo de cerca de 2000 fotografias, divididas entre o Reiss-Museum, em Mannheim, e o Institut für Länderkunde, em Leipzig". Foi ele quem apresentou pela primeira vez em língua portuguesa o viajante alemão Alphons Stübel e seu conterrâneo Wilhelm Reiss. [4] Em pouco mais de duas páginas relatou resumidamente a vida dos dois geólogos e a sua viagem pela América do Sul, destacando a vasta coleção de objetos e fotografias reunidas. Também publicou algumas das imagens pertencentes às duas coleções, de autoria de fotógrafos alemães no Brasil. Voltou a publicar algumas fotografias brasileiras das coleções Stübel e Reiss em 2003 na monografia O Brasil na fotografia oitocentista. George Ermakoff é outro brasileiro que publicou fotografias de escravos da autoria de Alberto Henschel e de Felipe Augusto Fidanza da Coleção de Alphons Stübel no seu livro O negro na fotografia brasileira do século XIX, editado no final do ano passado.[5] Em outras palavras, as fotografias da Coleção de Alphons Stübel somente foram usadas para garimpar novas imagens para a história da fotografia brasileira oitocentista. No entanto, na nossa opinião, a importância da coleção de fotografias de Alphons Stübel para a história da fotografia do Brasil e da América do Sul vai muito além de apenas apresentar novas imagens.
Uma expedição por acaso: Alphons Stübel na América do Sul
Moritz Alphons Stübel, filho do vereador Moritz Stübel, nasceu em 1835 na cidade de Dresden na Saxónia, sudoeste da Alemanha. Órfão de pai e mãe com 14 anos, foi criado pelo tio Julius Stübel em Dresden.
Em 1854, com 19 anos, começou os seus estudos em ciências naturais na Universidade de Leipzig, cidade vizinha de Dresden. Já em 1860, Stübel entregou a sua tese de doutorado em Geologia na Universidade de Heidelberg, terminando as faculdades de Mineralogia, Física e Química. Em seguida, trabalhou por alguns meses com o então famoso minerólogo Breithaupt em Freiberg e participou de alguns cursos na Universidade de Berlim. Alphons Stübel não era o tipo de cientista que ficava preso no seu escritório, cercado por livros e livros, elaborando as suas idéias na mesa, debruçado sobre os manuscritos e documentos. Ele era um geólogo que preferia a pesquisa no campo, observando e anotando os fenômenos e objetos da sua área.
Terminando a Universidade, viveu viajando pela Europa, observando, descrevendo e mapeando as diferentes formações geológicas e se especializando em vulcanologia. Entre 1862 e 1865 visitou a Escócia, as Ilhas Orkney e Shetland, a Ilha da Madeira, Cabo Verde e Portugal. Também fez expedições nas Ilhas Canárias, na Espanha e foi até a África, mais especificamente para Marrocos. Em 1865 conheceu um outro geólogo igualmente interessado, para não dizer apaixonado, pela vulcanologia, o colega Wilhelm Reiss (1838 1908). Encontraram-se no caminho para Grécia, destino de ambos depois da surpreendente erupção do vulcão Santorini. Desse primeiro encontro na Grécia e do enorme interesse científico pelos vulcões, nasceu uma amizade e intensa colaboração que durou mais de trinta anos, até que terminou repentinamente por causa de grandes diferenças a respeito de teorias da vulcanologia.
Como fruto dessa amizade nasceu, poucos anos depois do primeiro encontro, o projeto de uma expedição para o arquipélago do Havaí, conhecido por seus vulcões. Já em 1868, Alphons Stübel e Wilhelm Reiss embarcaram rumo ao Oceano Pacifico. Mas, antes de chegar no Havaí pretendiam fazer uma excursão nos Andes sul-americanos. Queriam explorar a cadeia de montanhas e os vulcões nos Andes na Colômbia e no Equador. Desembarcaram no continente no começo do mesmo ano, começando a sua excursão rumando para os Andes. Os dois viajantes-cientistas foram surpreendidos pela riqueza e diversidade do material geográfico encontrado e ficaram fascinados pelas majestosas montanhas. A planejada excursão de algumas semanas tornou-se "a mais profunda e mais bem-sucedida viagem científica da história do descobrimento das Américas", como o geólogo Hans Meyer declarou no necrólogio por ocasião da morte de Stübel em 1904, colocando-a na frente da expedição de Alexander von Humboldt.[6] Sem querer comparar os méritos do naturalista Humboldt com os dos viajantes Alphons Stübel e Wilhem Reiss, podemos sem dúvida considerar a dupla de vulcanólogos entre os mais importantes pesquisadores da América do Sul oitocentista.
Stübel e Reiss ficaram quase uma década na América do Sul, retornando para a Europa sem sequer rumar para o Havai em nenhuma outra ocasião.
Os dois começaram a sua expedição pela Colômbia e Equador onde permaneceram por mais de seis anos. No final de 1874 seguiram para o Peru e em setembro do ano seguinte chegaram ao Brasil, onde permaneceram por quase seis meses. Wilhelm Reiss, depois de oito anos de viagem, desmoralizado pelo cansaço e pelas doenças, retornou para a Alemanha. Mas Alphons Stübel, obcecado cientista, movido pela insaciável ambição científica, reuniu suas últimas forças para continuar viajando sozinho por mais um ano na América do Sul. Deixando o Brasil em março de 1876 cruzou o continente, passando pelo Uruguai, Argentina, Chile e Bolívia. Ainda voltou para o Peru e o Equador, de onde embarcou para os Estados Unidos. Passou por San Francisco para pegar o material que enviara para lá 9 anos antes, que empregaria na expedição ao Havai. Cruzou os Estados Unidos da costa leste até a oeste, visitando as famosas cataratas do Niágara antes de embarcar em julho de 1877 em Nova York, com destino a Leipzig. Chegou no final do mesmo ano, quase dez anos após a sua partida, em dezembro de 1868.
Stübel viajou por nada menos que oito estados sul-americanos. Somente não esteve no Paraguai nem na Venezuela. Junto com seu colega, realizou inúmeros estudos geológicos, arqueológicos, etnográficos e antropológicos. Ambos "chegaram à América do Sul como vulcanólogos, e deixaram o continente como arqueólogos, etnólogos, geógrafos e apaixonados colecionadores de fotografias."[7]
* Mestre em Antropologia Contemporânea e História Social na Universidade de Marburg/Alemanha, atualmente doutorando pela mesma Universidade em Antropologia Visual sobre o uso da fotografia no século XIX na construção da imagem do Brasil no exterior.
[1] Sobre a Coleção de fotografias de Dom Pedro II veja: Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha: A "Colleção D. Thereza Christina Maria", no Catálogo com o mesmo título da exposição realizada na Biblioteca Nacional de 17 de março a 14 de maio de 1987. Rio de Janeiro, 1987. Veja também: Karp Vasquez, Pedro: Dom Pedro II e a fotografia no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Index, 1985.
[2] A respeito da Coleção de fotografias somente existe um trabalho de mestrado (não publicado) feito por Andreas Krase em 1985 na antiga e extinta Alemanha Oriental. Em 1994 foi editado um catalogo por ocasião de uma exposição referente à viagem de Alphons Stübel e Wilhelm Reiss com artigos, abordando a fortografia nas coleções dos dois cientistas. Brockmann, Andreas; Stüttgen, Michaela (org.): Spurensuche. Zwei Erdwissenschaftler im Südamerika des 19. Jahrhunderts. Unna 1994
[3] Brogiato, Heinz Peter / Horn, Katarina: Der historische Bildbestand im Institut für Länderkunde Leipzig. Aufbau eines digitalen Langzeitarchivs. In: Information Wissenschaft & Praxis 54/2003, Nr. 1, p. 27-31. Para mais informações veja o site: http://www.ifl-leipzig.de.
[4] A coleção de fotografias sulamericanas de Wilhelm Reiss é menor do que a do seu companheiro e colega Alphons Stübel. Das originalmente cerca de 800 fotografias existem ainda 551 imagens, a maioria idéntica ou parecida com as da "Collection Alphons Stübel". Ela esta sendo guardada na cidade de Mannheim, no recentemente criado setor de fotografia do reformulado Reiss-Museum.
[5] Karp Vasquez, Pedro: Fotógrafos Alemães no Brasil do Século XIX. Deutsche Fotografen des 19. Jahrhunderts in Brasilien. São Paulo: Metalivros 2000; Karp Vasquez, Pedro: O Brasil na fotografia oitocentista. São Paulo: Metalivros, 2003; Ermakoff, George: O negro na fotografia brasileira do século XIX. Rio de Janeiro: Casa editorial, 2004.
[6] Meyer, Hans: Alphons Stübel. Em: Mittheilungen des Vereins für Erdkunde u Leipzig für 1904. Leipzig, 1905, p. 57-78, a citação e da p. 64.
[7] Stüttgen, Michaela: Einleitung, em: Brockmann, Andreas; Stüttgen, Michaela (org.): Spurensuche. Zwei Erdwissenschaftler im Südamerika des 19. Jahrhunderts. Unna 1994, p. 5.