Crítica fotográfica no Boletim do Foto-Cine Clube Bandeirante, 1948-1953 ( I / II )
Vanessa Sobrino
O Foto-Cine Clube Bandeirante é um clube de fotografia, fundado em São Paulo em 1939 e que entre 1948 e 1953 se auto-afirmou como local de referência para uma produção fotográfica "moderna" no Brasil. Em busca de uma experiência em fotografia que acompanhasse as mudanças na organização urbana decorrentes do período pós-guerra, forma-se no interior do Clube um espaço para a crítica aberta a novas representações artísticas no suporte fotográfico.
Essa crítica pode ser encontrada em artigos publicados no Boletim do FCCB, a partir de 1948, assim como na produção fotográfica, suscitada pelas atividades do Clube - concursos, excursões, salões e seminários - que teve em 1953 seu auge em termos de repercussão no contexto artístico. Reconhecida como "moderna", ocupou uma sala especial na II Bienal Internacional de Arte de São Paulo.
Participando do cosmopolitismo dos centros urbanos, o FCCB esteve em intenso diálogo com clubes e associações fotográficas tanto da Europa como dos Estados Unidos. O Salão Internacional de Arte Fotográfica de São Paulo, realizado anualmente desde 1943 pelo próprio FCCB, na Galeria Prestes Maia no centro de São Paulo, foi o mais notório meio da relação entre as diferentes produções fotográficas e as propostas que portavam.
Em 1948, o VII Salão Internacional de Arte Fotográfica teve expressão nos artigos do Boletim, em que os fotógrafos participantes foram qualificados como "novos", com "um nivel de valor artístico jamais alcançado anteriormente", na opinião de Jacob Polacow, membro da diretoria do Clube.[1] O "moderno" tomou a frente nos debates e na qualificação da produção fotográfica do Clube e logo, em 1949, com a exposição fotográfica de Thomaz Farkas no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o suporte fotográfico se consolidava no circuito das artes e se institucionalizava como tal.
Costa & Silva em estudo pioneiro sobre o FCCB - publicado em 1995 - localiza nesse período a "primeira etapa da fotografia moderna brasileira", caracterizando-a como aquela em que "tratava-se de abrir possibilidades para a construção de uma nova linguagem". Para tanto, os autores atribuem essa qualidade de "pioneiros" aos fotógrafos José Yalenti, Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e German Lorca, pela iniciativa de se lançarem "à formação de uma nova visão" [2], uma produção fotográfica diferente da tradição pictorialista, que se distinguia por apresentar temáticas do cotidiano urbano sem a ênfase romantizada, com a exploração de linhas e luzes que apontasse a uma abstração, utilizando-se assim de uma estética peculiarmente fotográfica.
O chamado pictorialismo teve como atributo principal a aproximação da fotografia com a pintura. Na perspectiva da conquista de um estatuto artístico para a prática fotográfica, característica do século XIX, a aproximação da fotografia com a pintura se dava por meio da escolha de temas romantizados e de técnicas que obtinham resultados próximo aos efeitos de uma pintura (por exemplo, por meio da manipulação da cópia fotográfica em laboratório: a fotomontagem, a fotopintura e processos diferenciados como o bromóleo).
De início, o FCCB trazia características da tradição fotoclubística, ou seja, tanto na forma de organização, como na produção fortemente marcada pela estética pictorialista: tonalidades suaves de cinzas, pigmentos imperceptíveis na cópia fotográfica, e uma significativa quantidade de temas de paisagem e retratos. A partir das inúmeras atividades internas do FCCB, visando os Salões Internacionais, os fotógrafos aventuraram-se na pesquisa do meio fotográfico, voltando-se a temáticas urbanas e ao cotidiano para a expressão artística.
Na década de 1950, a produção fotográfica coletiva do Clube já se assumia distante da tradição pictorialista, considerada pela maior parte de seus fotógrafos como uma prática fadada ao passado e que já não correspondia aos anseios do período presente. Porém, sabemos hoje que muito das bases da fotografia "moderna" herdou traços e direções do pictorialismo[3].
Pela análise de artigos publicados no Boletim do FCCB é possível levantar algumas mudanças e continuidades que apontaram no horizonte da fotografia do Clube[4]. O Foto-Cine Clube Bandeirante - Boletim (FCCB-Boletim) teve sua primeira edição em 1946 como complemento à circular interna e foi também uma iniciativa para a idealização de uma revista de fotografia. As mudanças gráficas e editoriais que se observam a partir de 1948, com formato de revista e com acréscimo de páginas reservadas aos artigos de crítica, acompanham modificações na escolha de temas a serem abordados, sendo que a diretoria se conserva. O espaço outrora reservado para os artigos de ordem técnica, ou dicas para o laboratório, começa a ser hegemonicamente ocupado por artigos traduzidos e/ou adaptados de revistas estrangeiras, que traziam discussões acerca da natureza da fotografia, suas práticas e sugestões de como abordá-la de acordo com os meios e tendências em voga. Por um lado, o gesto de incluir artigos estrangeiros no Boletim traduz o cosmopolitismo que definia a orientação da produção do Clube para uma fotografia de vanguarda.
Essa nova crítica fotográfica, oriunda de um ambiente de referências internacionais com interesses vanguardistas, se conformava no diálogo com as tendências internacionais, tais como a fotografia subjetiva de Otto Steinert, na Alemanha, no movimento Subjektive Fotografie (Fotografia Subjetiva), e a fotografia direta de Weston, nos EUA, com o F/64, de renovação e distanciamento da estética pictorialista. Além do contato por meio de livros, revistas e salões, o FCCB mantinha diálogo através de correspondência e encontros com tendências fotográficas do exterior pelas associações internacionais como a Photographic Society of América (P.S.A.) e a F.I.A.F. (Fédération Internacionale de L´Art Photographique), de que o FCCB participou.
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[1] POLACOW, Jacob. "VII Salão - Salão dos Novos". FCCB-Boletim, v.III, n. 32, 1948.
[2] COSTA, Helouise & SILVA, Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 36-37.
[3] Ver MELLO, Maria Teresa Bandeira de. Arte e fotografia: o movimento pictorialista no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998.
[4] Pude realizar um pouco desse exercício na monografia "A Crítica Fotográfica no Interior do Foto Cine Clube Bandeirante: o embate entre a fotografia pictorialista e a fotografia "moderna" , Unicamp, 2004, sob orientação de Profª Drª Iara Lis Schiavinatto.
[5] Texto 1: POLACOW, Jacob. Arte Fotográfica em seus aspectos locais. FCCB-Boletim, v. IV, n.43, nov.1949. Texto 2: SALVATORE, Eduardo. "onsiderações sobre o Momento Fotográfico. FCCB-Boletim, v. VI, n.67, nov.1951.
[6] STERENTAL, Volf .Tendencias da fotografia. FCCB-Boletim, v. IV n.39, 1949.
[7] CSORGEO, Tibor. A missão e o campo de ação da fotografia moderna. FCCB- Boletim, v. III, n. 31, nov. 1948.
[8] DUARTE, Benedito Junqueira A Crítica do IX Salão. F.C.C.B. Boletim, Ano V, nº53, set.1950