Grete Stern

A. Becquer Casaballe

Em 24 de dezembro de 1999, com 95 anos, faleceu Grete Stern. Nascida na Alemanha, havia emigrado para a Argentina em 1936 depois de uma breve estada em Londres. Sua obra fotográfica é uma das mais significativas que se realizaram no país.

Com a morte de Grete Stern desaparece uma das fotógrafas mais significativas da Argentina que, além disso, foi um exemplo de honestidade. Sua extensa obra emana uma força expressiva que a converte, sem dúvida, em um dos paradigmas da modernidade que marcou boa parte do século XX.

Nascida em Wuperthal-Elberfeld, Alemanha, em 1904, pouco antes de completar 20 anos de idade interessou-se pelas artes gráficas e se inscreveu na Kunstgewerbeschule de Stuttgart. Pouco tempo depois de sua graduação, o fotógrafo Umbo, a quem havia conhecido durante seus anos de estudante, sugeriu a ela que aprendesse fotografia com o professor Walter Peterhans. Quando Peterhans foi convocado pela Bauhaus, Grete continuou sendo sua aluna e, dessa maneira, participou a partir de 1929 das atividades da célebre escola de artes visuais.

"Peterhans me enseñó a crear una visión de lo que quería reproducir, antes de usar la cámara; a descubrir los valores fotográficos, o sea la proporción de blancos, negros y grises, las partes nítidas, la perspectiva, los valores plásticos y morfológicos que definen al objeto y su materia, a intuir seres o cosas que deseaba fotografiar"[i] [1].

A década de 20 e o início dos anos 30, durante a República de Weimar, na Alemanha, foi um período de uma singular expansão da modernidade como um ato criativo e de investigação em todos os campos de arte e, nesse contexto, a escola Bauhaus que fôra fundada por Walter Gropius resumia boa parte de toda essa expressividade. Grete Stern foi protagonista daquele movimento artístico.

Em 1929 conheceu Ellen Auerbach, uma jovem escultora também interessada em desenho gráfico e em fotografia. Juntas fundaram o estúdio "ringl + pit", que muito rapidamente haveria de ser reconnhecido como um dos mais importantes de Berlim.

Em 1932 Grete realiza um segundo curso na Bauhaus, onde conhece um argentino, Horacio Coppola, que havia viajado para a Europa para estudar. Um ano depois, quando Hitler é nomeado chanceler do Reich, a escola é fechada pelos nazistas e Grete com sua sócia Ellen decidem exilar-se em Londres ante o caráter anti-semita que o novo governo assume, enquanto que Coppola se transfere para Paris. Voltariam a se encontrar na capital do Reino Unido.

Em Londres continua a atividade do estúdio de ambas, com o mesmo êxito que havia obtido na Alemanha. Com sua Linhof de 9 x 12 realiza retratos de personalidades da cultura, como Bertolt Brech, Helene Weigel, Paula Heinemann etc. Um ano antes haviam ganho o primeiro prêmio na Deuxiéme Exposition Internationale de la Photographie et du Cinéma de Bruselas e, em 1934, "Cahiers d'Art" em Paris lhes dedica um extenso artigo.

Em 1934 casa-se com Horacio Coppola, com quem viaja a Buenos Aires para apresentar suas fotografias na revista Sur e, já de volta a Londres, um ano depois, sua filha Silva nasce. De toda maneira, a estada na Inglaterra não haveria de ser de todo feliz: Ellen, sua sócia, se vê obrigada a abandonar o país para se estabelecer nos Estados Unidos e a mãe de Grete se suicida em Berlim. Para o casal recente a Europa não tinha muito a oferecer e, em 1936, decidem radicar-se definitivamente na Argentina. A atitude solidária que assumem nesses anos com os refugiados da Alemanha e da Espanha, que chegam fugindo do nazi-fascismo, se explica melhor através de Grete, que sempre demostrou ter uma maior e mais profunda consciência social. Em 1940 têm seu segundo filho, Andrés —que faleceu em 1965 —; dois anos mais tarde se separam definitivamente.

É a partir de então que começa o período mais extenso e não menos frutífero da obra de Grete Stern, ainda que o início não tenha sido fácil. A crítica foi muito dura em relação a sua obra em um momento em que o pictorialismo ainda era considerado como a única alternativa artística.

O “Correo Fotográfico Sudamericano", em um artigo assinado por Mariano Hernando, por ocasião da primeira exposição individual que realizou em 1943, diz a respeito de um retrato de Spilimbergo: "(Grete Stern) en su afán de decorar elige un lugar del atelier de Spilimbergo que semeja un cambalache, la figura del artista se pierde en él, y como la intérprete no sabe darle personalidad, parece que fuera un accesorio más dentro del antiestético conjunto"[ii]. Em troca, a revista italiana "Campo Gráfico", algum tempo antes, havia dedicado uma edição com suas fotos e as de Coppola.

Na Argentina Grete foi fotógrafa da Dirección de Maternidad e Infancia do Departamento Nacional de Higiene, entre 1939 e 1943, depois, entre 1948 e 1950 trabalhou como fotógrafa e desenhista no Estudio del Plan de Buenos Aires, e colaborou com publicações como a revista Idilio, realizando sua célebre série de 150 fotomontagens sobre os sonhos. Entre 1956 e 1970 dirigiu o escritório de fotografia do Museo Nacional de Bellas Artes. Em 1958 havia adquirido a cidadania argentina.

Em várias oportunidades percorreu o interior do país, visitando as províncias de Córdoba, Jujuy, Santiago del Estero, Río Negro, Chubut, Chaco, Catamarca, levada por seu interesse em fotografar os aspectos humanos e arqueológicos. O Fondo Nacional de las Artes outorgou-lhe em 1964 uma bolsa para documentar os indígenas do Gran Chaco, nas províncias de Salta, Formosa e Chaco, o que, posteriormente, se converteria em uma mostra itinerante com 200 obras. Uma parte foi apresentada na Bauhaus-Archiv de Berlim.

Em 1972, depois de percorrer os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Grécia e Israel, visita também a Alemanha, sua pátria de nascimento que não via desde a década de 30.

Por um período, o nome de Grete parecia haver desaparecido e as novas gerações de fotógrafos desconheciam a profundidade e o alcance de sua obra até que, em 1981, a Fundación San Telmo organiza uma grande mostra retrospectiva. Algum tempo depois, em 1988, é publicado o livro “Grete Stern" com textos de Sara Facio, editado por La Azotea. Havia já quatro anos que ela abandonara definitivamente a fotografia devido à perda de sua capacidade visual. Em 1989 é convidada de honra do Salón Nacional de Fotografia e em 1992 participa de duas exposições no FotoFest de Houston, Texas, e a Fundación Antorchas realiza um transcendente trabalho para a conservação de seus negativos e fotos.

Em 1995 o Fondo Nacional de las Artes edita o livro "Grete Stern, obra fotográfica en la Argentina" que acompanha a mostra que se apresenta no Museo Fernández Blanco. Por último, o Institut Valencià d'Art Modern (IVAM) da Generalitat de Valencia, em 1995, exibe "Los sueños" e publica um catálogo de cuidada impressão.

A obra de Grete obteve, certamente, o reconhecimento dos círculos intelectuais. Isso se expressa nos livros e artigos publicados, nas exposições, tanto na Argentina como no exterior, entretanto, suas imagens não passaram a ser ícones de uma época. Talvez por não ter sido fotógrafa de best-seller nem de estrelas, tampouco tenha buscado prêmios, ou seja, todas essas coisas que dão fama. Seu trabalho foi tão silencioso como o tênue ruído do obturador de sua câmara. Cada uma de suas imagens teve que se sustentar por conta própria e requer uma atitude sensível e atenta por parte do observador. Isso ocorre porque não são realizações herméticas ou elitistas, pelo contrário, é uma fotografia acessível, direta, profundamente descritiva de formas e, acima de tudo, de sensações.

Existe nela muito da Bauhaus, especialmente nos retratos e nas fotomontagens, mas também se poderia dizer que na Bauhaus há muito dela. Em suas paisagens conflui o Novo Realismo como uma continuidade ideológica de Paul Strand ou de Edward Weston, e nas cenas cotidianas, percebe-se também aquele sentido que dava aos personagens e às coisas um Walker Evans. Entretanto, estas não são mais do que comparações que tentam colocar a obra de Stern entre a dos mestres, porque sua visão não deixa de ser tão pessoal quanto universal e, neste sentido, de uma solidez conceitual admirável.

[1] Os dados assinalados foram tomados de "Los sueños de Grete Stern", de Luis Priamo, publicado em "Sueños", IVAM Centro Julio González, Valencia, España, 1995.

[i] “Peterhans ensinou-me a criar uma visão do que queria reproduzir, antes de usar a câmera; a descobrir os valores fotográficos, ou seja, a proporção de brancos, pretos e cinzas, as partes nítidas, a perspectiva, os valores plásticos e morfológicos que definem o objeto e sua matéria; a intuir seres ou coisas que desejava fotografar.”(NT)

[ii]"(Grete Stern) em seu afã de decorar elege um lugar do ateliê de Spilimbergo que se assemelha a uma desordem, a figura do artista se perde nele, e como a intérprete não sabe lhe dar personalidade, parece mais um acessório do antiestético conjunto". (NT)