Este trabalho realiza uma leitura sobre um olhar específico, o fotográfico, que o jovem operário e a jovem operária da cidade de Franca, S.P., fizeram de sua própria casa e, portanto, de um elemento importante de seu cotidiano e de seu meio cultural. Câmaras fotográficas simples foram fornecidas a 13 trabalhadores de quatro indústrias de calçados desta cidade para que fotografassem o seu cotidiano através de um roteiro previamente estabelecido. Cada indivíduo ficou com a câmara por dois meses e fotografou semanalmente e seqüencialmente os seguintes temas: a família, a casa, os objetos pessoais, o bairro, o caminho da fábrica (ida e volta) e, por último, a fábrica. A escolha de um dos temas fotografados -a casa- para realizarmos uma análise mais profunda se deu em função da necessidade de delimitação de um objeto claramente definido e também pelo fato de termos em mãos um volume de imagens fotográficas extremamente grande( 1200 fotogramas), impossibilitando, desta maneira, uma análise tema a tema. A fotografia é nesta pesquisa um instrumento de auto-representação: assim eu me mostro; assim eu me escondo; assim eu me deixo ver fotograficamente. Se por um lado, a fotografia permite um reconhecimento imediato da materialidade representada, por outro lado, ela é portadora de modos de ver particularizados pelo contexto sociocultural na qual foi produzida. Da fotografia operária auto-representativa emergiu um universo visual singular e dificilmente penetrável ao olhar tradicional da antropologia. O deslocamento do olhar, produtor da imagem fotográfica, rompe com a posse de uma única visão fotográfica da realidade. A realidade fotográfica da casa é ao mesmo tempo uma realidade vivida, extraída de dentro para fora por uma apreensão que lhe é intrínseca, que lhe é própria. Penetrar a concepção de casa, na visão operária, pelo recorte fotográfico que ele mesmo concebeu ao fazer-se produtor reproduzido fotograficamente, no qual era tanto referência como referente, tornou possível detectarmos condições do processo social de produção de sentido. O olhar auto-projetivo sobre sua própria casa deixa revelar a experiência perceptiva do espaço, e é construtor signicamente de modelos e padrões sociais. Os padrões perceptivos e os corredores da significação, que se deixam fluir estandardizado culturalmente, expressam projeções do imaginário individual e social na realidade-casa. As intenções valorativas, implícitas ou explícitas, que o ato fotográfico implica na materialidade bidimensional de seu suporte, são analisadas em dois tempos. No primeiro instante, o eixo de análise é o próprio sujeito , ou o "EGO" realizador da visualidade fotográfica. No segundo momento, através de um itinerário de leitura ajustado e com parâmetros demarcados, onde a análise é feita foto a foto, indivíduo a indivíduo, elemento a elemento fotografado, permitiu-nos realizarmos um corte horizontal e generalizarmos a análise de uma " visão da casa". |
* Dissertação de mestrado defendida no Mestrado em Multimeios-Unicamp, em 1991, sob orientação dos Profs.Etienne Samain e Ivan Santo Barbosa. Orgãos financiadores: Concurso Marc Ferrez-Funarte/Funcamp/FAPESP.
** Fotógrafo, professor do Depto.de Multimeios, I.A.-Unicamp,e doutor em Antropologia Social-USP.